A importância de flexibilizar a prática pedagógica

A importância de flexibilizar a prática pedagógica

Por: Daniela Ferreira & Ariana Cosme

 

Um dos grandes princípios das recentes alterações da política educativa, com evidências de sucessos efetivos comprovados (Cosme, Ferreira, Fernandes, & Neves, 2018) é o reconhecimento de que a autonomia conferida a cada um dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas lhes tem permitido responder às especificidades e exigências de cada contexto e tempo educativo. Um dos grandes desafios da Escola, e que a pandemia acentuou, é a efetiva inclusão de todas as crianças e jovens e por isso urge que cada contexto e cada docente possa diferenciar a sua prática pedagógica construindo ambientes educativos promotores de aprendizagens significativas e de sucesso, no sentido de minimizar e responder às barreiras que se colocam às aprendizagens (UNESCO, 2017).

 

A promulgação do despacho que dá corpo ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória foi uma das medidas decisivas da política educativa do XXI Governo Constitucional. Sendo um documento de referência para a organização da ação pedagógica, é ele que permite a “convergência e a articulação das decisões inerentes às várias dimensões do desenvolvimento curricular” (G. d. O. Martins et al., 2017, p. 8) e que por isso “assume uma natureza necessariamente abrangente, transversal e recursiva” (G. d. O. Martins et al., 2017, p. 8). É este documento que, afastando-se de um paradigma instrucionista, enciclopedista e curricularmente insular contribui para a reconfiguração do papel quer do aluno quer do professor.

 

Neste sentido urge que o professor se assuma como um profissional reflexivo como um interlocutor qualificado (Cosme, 2009), como um construtor e gestor do currículo (Cosme, 2009; Niza, 2009; Roldão, 1999). Isto significa que cabe ao professor o trabalho de “recriação didática, em função do qual possam identificar os eventuais obstáculos que os alunos poderão enfrentar, os quais servirão de referência ao diálogo a estabelecer com estes alunos, bem como explorar outros caminhos ou a formular novos instrumentos e situações de apoio” (Trindade e Cosme, 2010, p. 69). Apetrechado de intenções curriculares e pedagógicas, é importante que cada professor possa pensar nos métodos, nas estratégias e tarefas que permitem dar resposta às barreiras à aprendizagem e considerar que “aquilo que leva um aluno a desejar aprender e a persistir nas aprendizagens escolares tem que ver quer com o modo como se criam e organizam os ambientes educativos e as atividades que aí se desenvolvem, quer com o modo como se estimula os alunos a participarem na organização de tais ambientes e atividades” (Cosme e Trindade, 2004, p. 13). Sendo estas condições essenciais, ainda que não sejam exclusivas, para um maior sucesso da escola pública, elas permitem ancorar práticas mais flexíveis do currículo e que implicam: (i) diferenciar os caminhos para a construção do conhecimento, assim como as tarefas a propor aos alunos, adaptando ou construindo os recursos didáticos; (ii) repensar a natureza da avaliação das aprendizagens, entendendo a pertinência de se diversificar ao nível dos procedimentos, das técnicas e dos instrumentos de avaliação.

 

A promulgação dos Decretos-Lei n.º 54 e 55 de 2018, de 6 de julho, enquadram um outro entendimento da escola e dos processos de ensinar, de aprender e de avaliar. É a Autonomia e Flexibilidade Curricular que permite romper com a gestão curricular e estandardizada do currículo e que desafia a escolas a repensar a forma como se entende a relação educativa nas escolas. E pensar a relação educativa implica conseguir responder“ o que é educar; quais são as finalidades da Escola; o que é ser professor; o que é ser aluno; e qual o estatuto do património cultural que nas escolas constitui o referente em função do qual se constrói o património curricular que tanto baliza a organização e gestão do trabalho pedagógico que os professores terão que animar, como determina as expectativas sobre as aprendizagens que os alunos deverão realizar” (Trindade, 2009, pp. 60-61).

 

Referências Bibliográficas

Cosme, A. (2009). Ser professor: A acção docente como uma acção de interlocução qualificada. Porto: LivPsic.

Cosme, A., Ferreira, D., Fernandes, J. G., e Neves, L. (2018). Projeto de autonomia e flexibilidade curricular: Estudo avaliativo da experiência pedagógica desenvolvida em 2017/2018 ao abrigo do despacho Nº 5908 / 2017. Lisboa: Direção Geral de Educação.

Cosme, A., e Trindade, R. (2004). Áres de estudo acompanhado: O essencial sobre ensinar a aprender. Porto: ASA Editores.

Ferreira, D. (2020). A escola pública portuguesa: As crianças em acolhimento residencial e os caminhos da inclusão.(Doutoramento). Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto.

Niza, S. (2009). As associações pedagógicas e a construção do conhecimento profissional. In Jorge Bonito (Org.) (Ed.), Ensino de qualidade e formação de professores (pp. 381-392). Évora: Departamento de Pedagogia da Universidade de Évora.

Roldão, M. d. C. (1999). Gestão curricular: Fundamentos e Práticas. Lisboa: Ministério da Educação.

Roldão, M. d. C. (2003). Diferenciação Curricular Revisitada. Porto: Porto Editora.

Trindade, R., e Cosme, A. (2004). A construção de uma escola pública e democrática. In Rui Canário, Filomena Matos, & Rui Trindade (Eds.), Escola da Ponte: defender a escola pública (pp. 81-87). Porto: Profedições.

Trindade, R., e Cosme, A. (2010). Educar e aprender na escola: Questões, desafios e respostas pedagógicas. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão.

UNESCO. (2017). A guide for ensuring inclusion and equity in education.

Zeichner, K. M. (1993). A formação reflexive de professors: Ideias e práticas. . Lisboa: Educa-Professores.

 

Daniela Ferreira & Ariana Cosme

Investigadoras