A nobreza de querer (ainda) ser professor

A nobreza de querer (ainda) ser professor

Por: Dra Clara Paredes de Castro

 

 

Já não se é professor como outrora. É certo que tudo muda, mas esta profissão não mudou… desgastou-se, esvaziou-se, perdeu-se nos modelos, documentos, estatísticas e grupos. Já não se fala da arte de ensinar, do chamamento, da vocação, da missão! Os jovens têm receio de querer ser “stores”, os pais assustam-se com a carreira, os próprios professores pensam “ai no que tu te vais meter!”. E neste meio termo, entre o antes e o agora, perdemos missões de vida, perdemos a nobreza de seguir o chamamento. E não é preciso ver lá longe no futuro, para se perceber que vai existir um abismo geracional de docentes dentro de décadas.

 

Como chegamos aqui? Permitindo. E isto não é uma crítica ao sistema, é um dedo apontado a cada um de nós. Nós os pais que desvalorizamos o trabalho do professor junto dos nossos filhos, nós os professores que nos desligamos da nossa vocação, nós sociedade civil que nos esquecemos de quem nos colocou lá, em todas as outras profissões, ensinando, guiando, iluminando…

 

Somos nós os principais culpados dos que desistem, que não acreditam, dos que duvidam da sua vocação, dos que não entendem a beleza desta tarefa hercúlea de comunicar conhecimento. Somos nós que não mostramos o quanto é estimulante fazer crescer a mente do outro simplificando-lhe conteúdos, o quanto se ganha quando damos o nosso melhor, para conseguir chegar ao mais profundo do outro. Somos nós os culpados de nos estarmos a esquecer de mostrar que lecionar é praticar a arte da gratidão. Sim, gratidão! Quem nunca se sentiu grato pelo professor que lhe mostrou o caminho, que o viu além de quem apenas o olhava, de quem nos ensinou a sonhar, de quem nos desfez o medo de voar, de quem simplesmente nos permitiu crescer! Quem de nós não tem a agradecer ao inspirador, ao impulsionador de carreiras, de vidas e sentimentos.

 

Como permitimos que se percam gerações de professores destes novos millenium, gente desenrascada, do mundo, que vê a vida pelos olhos da liberdade? Como permitimos que eles fujam para outros lugares quando o que querem mesmo é ensinar? Como nos desleixamos ao mostrar esta vitrine fria, burocrática e enfadonha.

 

Sim, porque fomos nós que o permitimos quando nos esquecemos de ser professor. Daqueles que fazem estradas, os que são “relógio despertador” do conhecimento, os que sabem libertar mentes, que ensinam a coragem de sonhar, de construir, de experimentar, de decidir, de argumentar. É isto! Ou devia ser….

 

Mas não… hoje ser professor é muito mais ser matéria, guiões, notas, avaliações e imputações, é ser prisioneiro de um sistema que anacronicamente se distancia das gerações que precisam, mais do que nunca, de liberdade de pensamento e ação. Hoje ser professor é estar ancorado a um sistema que não os defende, não os motiva, não os engrandece, e assim esmorece a cada ano a vontade de fazer mais, de mudar o pequeno mundo de cada um dos que se sentam naquela sala de aula, ou naquele quadrado do computador.

 

E há tanto mundo a mudar quando nos lembramos que ensinar, é tão mais que lecionar, tão mais que pedagogia. Quando nos lembramos a alegria de fazer o outro chegar lá, de conseguir compreender, de avançar e evoluir, de levantar a sobrancelha e soltar um ahhhhhh! Esse ahh que inspirou cientistas e artistas de todo o mundo.

 

É por isso também que temos de lutar por esta profissão. Todos. Não só os professores. Não só pela carreira dos que cá estão e merecem, não só pela integração dos que tanto tentam entrar e não conseguem, não só pelos que deixam vida suspensas a contabilizar pins de localização em territórios do país, só para serem professores. É pelos que ainda não estão, pelos que ainda não pensaram, pelos que duvidam. Por esses que sentem o apelo e não prosseguem por medo, pela pequenez de uma carreira que pode ser mais brilhante que qualquer outra, assim seja feita com coração… com respeito e missão.

 

É por toda uma geração que foge porque viveu na era do desencantamento dos professores, que, massacrados, passaram a ideia de dureza, de luta, esforço, inglória. É também pelos estoicos que se esvaziam de vida a lutar por ser professor, pelos que ainda resistem e conseguem ser a exceção, pelos que conseguem lecionar na normalidade e assim manter a pura definição de professor.

 

A luta é por todos! Mas louvada seja esta geração que se fez mártir pela profissão! Por isso que não mais se fale na classe dividida e fraturada, que luta por condições conforme a sua situação pessoal, que se olhe com respeito para os que estão, mas com esperança para os que querem vir. Que se ensine de novo a beleza de ser professor, o mestre, o inspirador, que se recupere a figura do plantador de sementes, do agricultor de sonhos, do ceifador de dúvidas, do enólogo da mudança! É de todos que precisamos e este é o momento. De fazer ver aos que já estão que vale a pena resistir e aos que querem vir que vale a pena insistir. A nobreza de ser professor recupera-se, assim se baixem os ruídos da realidade e se elevem os sons da intuição.

Clara Paredes Castro