Ainda há tempo! Ainda há esperança…
Ainda há tempo! Ainda há esperança…
Por: Professora Alzira Mendes
Há uns dias, encontrei, numa das muitas redes sociais que por aí grassam, uma publicação acerca de um professor uruguaio que renunciou ao seu lugar na Universidade ORT, em Montevidéu, supostamente devido à utilização desregrada dos telemóveis dentro da sala de aula por parte dos alunos. Leonardo Haberkorn, jornalista de profissão, com muitos anos de experiência, e um dos profissionais mais respeitados do seu país, foi derrotado pelos telemóveis, pelo WhatsApp e pelo Facebook. Ao fim de muitos anos a formar jornalistas naquela Universidade, rendeu-se, atirou a toalha ao chão!
Tive curiosidade em saber mais acerca do sucedido. Fiz uma pesquisa no Google e encontrei o Blog de Haberkorn - El Informante, onde o jornalista publicou a sua carta de renúncia ao cargo de professor. Corria o dia 3 de dezembro de 2015. A carta é curta, de leitura fácil. A dada altura escreveu que estava “cansado de falar de assuntos que (o) apaixonam para jovens que não conseguem despregar os olhos de um telemóvel que não para de receber selfies”. Naquele momento, levantei os olhos do computador e vi, claramente, muitos dos meus alunos à minha frente, também eles de olhos fixos no ecrã do telemóvel, a consultar as redes sociais ou a ler uma mensagem que acabaram de receber.
É inegável que vivemos numa era digital, onde as novas tecnologias e as redes sociais desempenham um papel significativo nas nossas vidas. Na área da educação, essas ferramentas têm tido um impacto profundo na forma como os alunos aprendem e interagem com o conhecimento.
Não sou nenhum Velho do Restelo e reconheço que são muitas as vantagens das novas tecnologias e das redes sociais, nomeadamente o acesso rápido e fácil a uma vasta quantidade de informação ou a facilidade com que os jovens podem contactar com pessoas de diferentes partes do mundo, compartilhando ideias e perspetivas únicas. Também sei que as novas tecnologias oferecem ferramentas interativas e interessantes que podem tornar o processo de aprendizagem mais dinâmico e estimulante e que as redes sociais proporcionam uma oportunidade única de colaboração e aprendizagem social.
Ouvimos, a toda a hora, vários (pseudo)especialistas afirmarem que o digital veio para ficar e que são muitos os seus benefícios. Compreendo tudo isso. Contudo, e apesar de compreender tudo isso, tenho receio que esta nova geração, a geração do digital, não esteja preparada para lidar com tudo o que tem à sua frente. São a geração com mais acesso a informação e, no entanto, são a geração mais desinformada de sempre. Estamos perante uma contradição perversa e preocupante. Vivemos num mundo em que uma geração intelectualmente vulnerável é constantemente bombardeada por um excesso de informação que lhes chega de forma torrencial e caótica e que, por isso, dificulta a filtragem e a validação de fontes confiáveis. A geração do digital é diariamente assediada por um conhecimento cada vez mais raso e medíocre, que bebem sofregamente e que os faz sentir reis e donos do saber. A falta de um equilíbrio saudável entre o uso das novas tecnologias e as interações no mundo real impede-os de desenvolverem capacidades de autorregulação, de interação e integração social e de desenvolvimento emocional. Estamos a formar jovens incultos, desinteressados e alienados do mundo real em que vivem.
Mais uma vez, surgem-me à frente dos olhos os meus alunos. Jovens cheios de potencialidades que estão a ser completamente desperdiçadas porque não conseguem despregar os olhos de um ecrã que, julgam eles, tem as respostas para todas as suas perguntas e as soluções para todos os seus problemas.
Há dias em que me apetece render-me, atirar a toalha ao chão, tal como fez o professor Leonardo Haberkorn. Mas não consigo. Não posso. Tenho que, juntamente com todos os professores que também se recusam a desistir, ajudar os meus alunos, jovens cheios de potencial, a recuperar os valores perdidos e a enfrentar os desafios associados a esta era digital. É imperativo levá-los a compreender que é possível usar os benefícios da era digital, como se de uma arma se tratasse, de uma forma positiva, crítica, útil, conhecedora, consciente, para enfrentar os desafios com que se forem deparando ao longo da vida.
Ainda há tempo!
Ainda há esperança…
Alzira Mendes
Professora do Grupo 330 (Inglês), na Escola Secundária Jaime Moniz, Funchal, Madeira