EVENTUAL CONCURSO EXTRAORDINÁRIO DE DOCENTES (COM SUPLEMENTO DE DESLOCAÇÃO)

JÁ DEVERIA TER SIDO PREVISTO NO CONCURSO ORDINÁRIO OU AS AJUDAS DE DESLOCAÇÃO AGORA PREVISTAS DEVERÃO ABRANGER TODOS OS DOCENTES NAS MESMAS CIRCUNSTÂNCIAS

 

PARECER JURÍDICO do SIPE, sobre

EVENTUAL CONCURSO EXTRAORDINÃRIO DE DOCENTES (COM SUPLEMENTO DE DESLOCAÇÃO)

 

 

1 – CONJUNTURA QUE LEVA À CRIAÇÃO DESDE CONCURSO

O objetivo do Governo na abertura de um concurso extraordinário é obviamente o de colmatar a falta de docentes no ensino público Português.

Medida este louvável, não fosse este um problema que se arrasta há anos.

 

A falta de professores, nas escolas portuguesas, principalmente nas áreas de Lisboa e Algarve, já foi tema de vários estudos, nomeadamente da Fundação Belmiro de Azevedo, através da iniciativa EDULOG, sempre se chegando à conclusão que este problema, fruto de vários fatores (nomeadamente, envelhecimento do corpo docente, baixas médicas sucessivas e principalmente níveis de precariedade relacionados com a falta de apoios à deslocação e fixação, aliados aos baixos salários e exigências burocráticas cada vez mais acentuadas), só se resolverá com medicas estruturais, transversais a todas as circunstâncias que estão na sua origem.

 

Ora, o caracter extraordinário de algo, em oposição ao exposto, coaduna-se e é pertinente nos casos em que tais medidas surgem de necessidades inesperadas.

 

Mas até se pode aceitar que tal ocorra, dada a emergência da situação e os prejuízos que a mesma acarreta para os alunos, não obstante se tratar de um mero remendo nesta rede a necessitar de muitas alterações, tendo em conta que o presente Governo assumiu essas funções em data recente, compreendemos que ainda carece de tempo para uma reformulação do sistema educativo.

 

O que já não se concebe é que tal seja feito com total desrespeito por princípios fundamentais de Direito, constitucionalmente consagrados, bem como também por toda a classe docente.

 

2 – FEITURA DA LEI E PRINCIPIOS A QUE TEM QUE OBEDECER

 

É que a feitura de atos normativos obedece a todo um processo lógico e legal, composto por etapas, que não sendo respeitado coloca em causa todo o mérito e virtude da medida adotada.

 

Entre as regras a cumprir está a realização de autocontrole de constitucionalidade e de legalidade, passo este já a dar numa fase posterior de todo o processo, mas aqui chamado por ser fulcral e pedra de toque nesta questão que se analisa.

 

Então vejamos, de forma geral e não demasiado precisa, todo o desenrolar que deve cumprir o órgão que vai legislar.

- Após a determinação do problema procede-se à ponderação de uma real necessidade de legislar por forma a solucioná-lo, procedendo-se, algumas vezes, mas menos do que seria desejável, a estudos de impacto normativo e auscultação das partes interessadas (fase em que os sindicatos têm um papel extremamente importante no reporte do problema na sua globalidade e nas consequências nefastas que soluções parciais e pouco ponderadas, podem vir a acarretar).

 

- Decidida a necessidade de proceder à elaboração de uma lei (no seu sentido amplo), como forma de solucionar a questão, tem então de se olhar para o quadro normativo superior (onde a CRP e as leis de valor reforçado em relação à matéria em causa se situam) por forma a que, a pensada solução que se pretende adotar, não colida com o mesmo.

 

- E é aqui que entra o autocontrolo da constitucionalidade e da legalidade por parte do legislador.

 

No que ao caso interessa, debrucemo-nos, então, nos seguintes Princípios Fundamentais de Direito, com assento na CRP, corolários de um Estado de Direito Democrático e orientadores de toda a atividade legislativa.

 

A) PRINCÍPIO DA IGUALDADE:

 

Este princípio, consagrado no artigo 13.º e no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, encontra-se igualmente previsto no artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo, do qual decorre que, nas suas relações com os particulares, a Administração Pública não pode de forma alguma privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de uma série de elementos que lhe sejam característicos (ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual).

 

Assim, o que se visa, é garantir o tratamento de modo idêntico daquilo que é idêntico e de modo desigual daquilo que é de facto diferente ou que não é idêntico.

 

Desdobra-se, pois, este princípio em duas vertentes:

- Por um lado a proibição de discriminação - vertente negativa, segundo a qual, uma medida é violadora do princípio da igualdade se estabelecer uma igualdade ou diferenciação de tratamento para a qual, à luz do objetivo visado, não existe justificação material suficiente;

 

- Por outro, a obrigação de diferenciação - vertente positiva, que consiste no dever de implementar medidas que estabeleçam um tratamento desigual para as situações que forem diferentes, fazendo-se uma discriminação positiva.

 

É por isso imperativo que a Administração aplique regimes iguais a situações iguais, e diferentes a situações diferentes.

 

Daqui decorre logicamente que é estritamente proibido o tratamento diferenciado arbitrário de situações iguais, sem um fundamento objetivamente válido, que justifique esse tratamento desigual, sendo que, se tal acontecer, estaremos perante uma situação de discriminação.

 

B) PRINCÍPIO DE SALÁRIO IGUAL PARA TRABALHO IGUAL

 

Este princípio proíbe discriminações ou distinções sem que exista fundamento material para tal, isto é, razões objetivas que o justifiquem.

 

Sendo que, para além deste conteúdo negativo, tal princípio comporta ainda uma vertente positiva, que impõe a igualdade substantiva de tratamento dos trabalhadores que prestem o mesmo tipo de trabalho, o que se afere por critérios de quantidade, natureza e qualidade.

 

É no cumprimento desde dever que o art.º 24.º, n.º 1 do CT dispõe, entre o mais, que o trabalhador ou candidato a emprego tem direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

 

Uma das vertentes onde se torna premente a aplicação desta determinação, é a atinente à retribuição, entendida esta no seu sentido amplo, abrangendo qualquer tipo de subsídio ou contribuição retributiva.

 

Entende-se por trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade, e por trabalho de valor igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado (cfr. alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 23.º do CT).

 

APLICAÇÃO DOS CONCEITOS LEGAIS SUPRA EXPOSTOS AO CASO CONCRETO:

Face a todo o exposto e retornando ao início, diga-se que mesmo a entender-se o objetivo do Governo - capacitar em tempo útil todas as escolas do número de docentes necessário, face ao número de alunos - a forma pela qual opta para atrair professores para as zonas do país mais desfalcadas, não se adequa desde logo com o proclamado no seu programa político, que tem como corolário o respeito pelo princípio da igualdade na concretização das suas políticas, o que se pode constatar na sua atuação até à presente data, basta atentar na forma como resolveu o problema criado pelo anterior governo, no que respeitou às forças de segurança, área em que não aceitou a discriminação inicialmente cometida, quanto à concessão de subsídios apenas a algumas OPCs.

 

Assim, não nos parece que no que tange à classe docente, se possa guiar por outra bússola, o que faria caso decidisse pela atribuição de subsídio de deslocação apenas aos docentes colocados no concurso extraordinário.

 

Atente-se, por um lado, que a colocação de professores no âmbito do concurso interno e externo, acabou de ser feita, sendo já na altura do conhecimento geral a escassez de docentes, principalmente em zonas como Lisboa e Algarve e, por outro, que grande parte dos docentes, nomeadamente os da norma travão e vinculação dinâmica, bem como alguns dos quadros, ficaram colocados a vários quilómetros das suas residências.

 

Ora, a adotar-se a medida pretendida, com toda a certeza, se levantará uma onda de discordância e revolta na classe, por não se vislumbrar qualquer fundamento razoável que suporte esta distinção de tratamento, o que consequentemente gerará mais prejuízos do que benefícios no ensino.

 

Pelo que esta ponderação terá de ser feita obrigatoriamente, por forma a obstar ao surgimento de “retaliações”, compreensíveis, de uma classe que até hoje se viu alvo de medidas pouco coerentes e que em nada a dignificaram.

 

Como é óbvio o impacto normativo em termos económicos da medida que se quer adotar, à primeira vista, é muito menor do que se optar por outra que vise todos os docentes que, de igual forma, se enquadrem na previsão de atribuição do subsídio. No entanto, a curto e médio prazo, verificar-se-á que essa contenção de custos é uma falácia já que, face ao sentimento de injustiça que irá gerar, decorrente da discriminação, poderá levar a um outro tipo de custos, como os decorrentes e greves, baixas médicas (por motivos obviamente válidos e existentes) e desmotivação generalizada.

 

Mas o mais importante em tudo isto, é que caso opte pela medida anunciada, estará o Governo a cometer uma frontal violação de princípios constitucionais!

 

Na justificação e exposição dos motivos o que poderá dizer o legislador que suporte legalmente esta opção?

 

Que só agora se viu a mãos com este problema? Que a carência de professores lhe era desconhecida? Que não era do seu conhecimento que o salário auferido pelos mesmos não é suficiente para assegurar as despesas a uma colocação distante do local da sua residência? Que os professores agora abrangidos por este concurso extraordinário são dotados de características que os levam a beneficiar de um regime melhor?

 

CONCLUSÃO

 

JÁ DEVERIA TER SIDO PREVISTO NO CONCURSO ORDINÁRIO OU AS AJUDAS DE DESLOCAÇÃO AGORA PREVISTAS DEVERÃO ABRANGER TODOS OS DOCENTES NAS MESMAS CIRCUNSTÂNCIAS

 

Não podemos Parar.

Todos Unidos temos de conseguir.