O tempo que o tempo não tem...

DIGNIDADE NA ESCOLA PÚBLICA

 

O tempo que o tempo não tem...

Para o comum dos mortais a habitar em Portugal, minimamente informado, a devolução de cerca de 6 anos aos professores, dentro da atual legislatura, será “o final” da contenda entre o ME e os professores sobre o assunto “Tempo de serviço”, uma vez que, aparentemente, é este o tempo em falta.

 

No entanto, para além desta devolução ser já bastante tardia - com quase 20 anos de atraso - qualquer professor que tenha sofrido este constrangimento sabe bem que, na realidade, esses 6 anos representam apenas uma pequena parte de uma grande fatia de tempo que foi, e continua a ser, sonegado.

 

Vejamos, em síntese, o significado de “tempo sonegado”:

A grande maioria dos professores, que são muitos milhares, que hoje sustentam os quadros das cerca de 8 centenas de Agrupamentos, e que são o garante da continuidade pedagógica do nosso país, entraram na carreira ainda no século passado.

 

A - 1º CONGELAMENTO:

Assim, comecemos logo por referir que, aqueles que ingressaram na carreira até 2005, foi-lhes vedada a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras, desde 30.08.2005 até 31.12.2007, por força do disposto na Lei do Orçamento de Estado para o ano 2011 - contabilizando assim um total de 2 anos, 4 meses e 2 dias de “tempo sonegado” aos mesmos.

 

B - SUCESSIVAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS À ESTRUTURA DA CARREIRA DOCENTE:

Acresce ainda que, posteriormente, as várias alterações da estrutura da carreira e os regimes transitórios ocorridas ao longo dos anos, conduziram à perda de ainda mais anos de tempo de serviço por parte desses docentes.

 

Isto porque, até janeiro de 2007, qualquer um destes docentes, enquanto licenciados, que ingressasse na carreira, era posicionado no índice 151, cuja duração (tempo mínimo de permanência) era de 4 anos, até poder progredir ao índice seguinte.

 

Posteriormente, com as alterações surgidas após janeiro de 2007, e por força destas, bem como por força das normas transitórias, aqueles docentes que já haviam ingressado na carreira e que, à data, se encontrassem posicionados no índice 151, deveriam manter-se nessa estrutura apenas até perfazerem 3 anos de permanência, após o qual transitavam para o 1.º escalão, índice 167, da nova tabela remuneratória.

 

Contudo, e por outro lado, os docentes que ingressaram na carreira após a entrada em vigor dessa nova legislação, iriam posicionar-se directamente no índice 167.

 

Acresce ainda que, em 2009, surgem novas alterações legislativas, voltando a existir reduções relativas ao tempo de serviço de permanência nos vários escalões, nomeadamente no 1.º escalão, índice 167, no qual o tempo de permanência que até àquela data era de 5 anos (que muitos tiveram de cumprir sem direito a retorno), passou, com o novo diploma, a ser de 4 anos.

 

O mesmo sucedendo em relação ao 2.º e 3.º escalões, índice 188 e 205, respectivamente.

 

Já no que se refere ao 5.º escalão, neste caso, a redução acabaria por ser ainda maior, uma vez que, o tempo de permanência era de 4 anos e com a entrada em vigor da nova legislação em 2009, aquele tempo de permanência passou a ser de 2 anos.

 

Desta forma, chegados ao final de 2010, estes docentes, além dos 2 anos, 4 meses e 2 dias de congelamento em virtude da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011, haviam já igualmente perdido mais 5 anos de tempo de serviço, que na prática, lhes foi sonegado, em virtude de toda a restruturação da carreira, conforme resulta do supra exposto - totalizando já próximo de 7 anos e meio de atraso na atual estrutura de carreira.

 

E não pensemos que estamos a relatar os casos extremos, porque para isso poderíamos mencionar os casos dos docentes bacharéis que para chegar ao índice 167 tinham ainda um período acrescido de 5 anos (2 anos no índice 112 + 3 anos no índice 125) até chegar ao índice 151 e somar os 5 anos da situação dos docentes licenciados já explanada anteriormente. Para estes casos mais extremos, no final do ano de 2010 contabilizamos 2 anos, 4 meses e 2 dias “oficialmente” congelados aos quais se somava a sonegação de 10 anos... totalizando cerca de 12 anos e meio de atraso em relação à estrutura da carreira.

 

C - 2º CONGELAMENTO:

Em 1.1.2011 dá-se início a um novo período de congelamento, que duraria até 31.12.2017, o que se traduz em mais 7 anos longos anos (2557 dias para ser mais exato com os anos bissextos) de “tempo sonegado”.

 

Assim um docente que tenha ingressado nos quadros antes de 2005, a 1.1.2018, tinha cerca de 14 anos e meio de “atraso/prejuízo” na sua carreira. Aliás, para muitos, numa carreira com cerca de 20 anos de experiência, quase 2/3 desses anos não foram contabilizados para efeitos de progressão até 2018.

 

Uma vez mais, há que referir que estes valores não são dos extremos casos dos docentes “bacharéis”, pois para esses, a todas as contas apresentadas acrescem sempre mais 5 anos sonegados em comparação com os docentes licenciados.

 

D - PORTARIA DO REPOSICIONAMENTO:

Em 2018, com “descongelamento” do tempo para efeitos de progressão, surgem os primeiros reposicionamentos, e com estes começou, efetivamente, a sentir-se nas escolas a sensação de injustiça causada pelas ultrapassagens a que foram sujeitos estes docentes (que haviam ingressado na carreira antes de 2011), responsáveis pela manutenção da continuidade pedagógica nos quadros dos agrupamentos.

 

Todos eles foram facilmente ultrapassados por docentes em reposicionamento (que ingressaram na carreira após 2011) e em condições de “tempo semelhante”.

 

Foi então que começamos a ouvir, por parte do ME, a expressão “igualdade diacrónica”, que era um nome muito pomposo para, de forma mais simpática, dizer aos docentes que vincularam antes de 2011:“...quando entraram na carreira essas eram as condições existentes...” .

 

Infelizmente essa mesma justificação não foi utilizada para salvaguardar estes docentes das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões que a nova estrutura da carreira agora impunha. Ou seja, o ME conseguiu a proeza de dar “o pior de 2 mundos” a estes docentes:

- por um lado não aplicaram aos mesmos as novas regras (mais vantajosas) referentes à progressão da carreira - com o fundamente de que a nova estrutura da carreira apenas se aplicava aos docentes que vincularam após 2011;

- e ao invés, foram-lhes impostas as vagas de acesso aos 5º e 7º escalões - aí já esquecendo que essas condições também não existiam na antiga estrutura da carreira.

 

E - RECUPERAÇÃO (PARCIAL) DO TEMPO DE SERVIÇO CONGELADO:

Acresce ainda que, em 2019 começaram as primeiras recuperações do tempo de serviço “oficialmente” congelado. Aí foi tempo de pensar que a saga da sonegação tinha terminado e que finalmente havia uma esperança numa valorização efetiva na carreira.

 

No entanto, e em consequência de, pelo menos para estes docentes, não ter sido abolido este acesso condicionado aos 5.º e 7.º escalões, uma vez que essas não eram condições na carreira antiga, muitos destes docentes viram TODO o tempo “oficialmente” recuperado a esfumar-se numa lista de espera para entrar nestes escalões condicionados.

 

Sem nunca lhes dar a possibilidade de escolha, estes docentes viram as suas tranches de tempo, servir apenas para, aparentemente, “melhorar” a sua posição na lista de acesso a estes escalões.

 

No entanto, esta cavilação por parte do ME, ao referir que esse tempo servia para melhorar as suas posições nas listas, omitia o óbvio: se todos os que estão na lista ordenada, recebem tempo de serviço congelado, consequentemente ninguém iria subir a sua posição na lista quando comparada com os restantes. O que implicou que uma grande parte destes docentes, para além de, na prática, não terem recuperado qualquer do tempo devolvido, ainda lhes foi novamente sonegado entre 1 a 3 anos nas listas de acesso aos referidos escalões.

 

Assim, em finais de 2021 tínhamos docentes com médias de 12 a 14 anos de tempo de serviço sonegado em 25 possíveis...

 

Hoje em dia, mesmo com a aplicação do “imperfeito” (mas com alguns aspetos positivos) DL n.º 74/2023, encontra-se com facilidade docentes com cerca de 25 a 30 anos de tempo de serviço, em que, quase 50% do tempo, não lhes está a ser contabilizado para efeitos de progressão.

 

E é nesta senda, não corrigindo, e ainda mais grave, seguindo os mesmos passos do anterior Governo, que o atual ME, pretende valorizar a carreira docente, procurando num número digno dos melhores mágicos, devolver um tempo com quase 20 anos de atraso, sem que essa devolução seja sentida no Ministério das Finanças, mas uma vez mais à custa de um artifício que terá um efeito oposto ao que foi referido na campanha eleitoral, por parte de todos os partidos: Valorizar a carreira docente.

 

Mas não pensemos que estes expedientes são exclusivos para os docentes mais antigos na carreira... Também os docentes reposicionados, apesar de iniciarem a carreira sem os até 5 anos de atraso a que outros foram sujeitos, sofrem das interpretações “à lá Carte” do ME no que toca a sonegar tempo de serviço...

 

Vejamos o que acontece com estes casos:

Após o reposicionamento com o tempo que conseguiram reunir até à entrada nos quadros, os docentes até então contratados, recuperam o seu tempo de serviço congelado.

 

Contudo, o ME faz uma interpretação “muito própria” da data dessa Recuperação do Tempo de Serviço (RTS).

 

Comecemos então por referir que:

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de março (que tem como função ajudar a melhor interpretar todo o diploma), diz ainda que:

 

"Os 2 anos, 9 meses e 18 dias serão contabilizados no momento da progressão ao escalão SEGUINTE, o que implica que todos os docentes verão reconhecido esse tempo, em função do normal desenvolvimento da respetiva carreira. Com efeito, à medida que os docentes progridam ao PRÓXIMO escalão após a entrada em vigor do presente decreto-lei, ser-lhes-á contabilizado o tempo de serviço a recuperar, pelo que a posição relativa na carreira fica assegurada."

 

Pelo que, facilmente se conclui que a intenção de recuperar o tempo de serviço imediatamente após o reposicionamento, resulta de uma má interpretação do Estatuto da Carreira Docente, que é o suporte legal que define os conceitos de progressão (transição ao escalão seguinte) e reposicionamento (reconhecimento do escalão de ingresso).

 

Além do que:

O reposicionamento não consiste numa progressão, mas na determinação do escalão de entrada da carreira (art. 36º do ECD).

 

A progressão, de acordo com o art. 37º do ECD é um momento (e não um período de tempo entre escalões) que se materializa numa alteração de escalão remuneratório.

 

O tempo de serviço descongelado deve ser contabilizado na primeira progressão do docente após a entrada na carreira, que ocorrerá apenas no final do ano letivo e não no momento do reposicionamento.

 

A contabilização do tempo no momento do reposicionamento (por má interpretação do ECD) contraria o disposto no art. 2º do DL 36/2019 e o princípio consagrado no preâmbulo do diploma, que assegura a posição relativa do docente na carreira com a contabilização do tempo congelado.

 

Assim, da conjugação de todos os artigos supra referidos, terá forçosamente que se conclui que:

  1. A progressão consiste na alteração do escalão remuneratório após a entrada do docente na carreira, sendo por conseguinte um momento e não um período de tempo.
  2. A alteração remuneratória relativa ao reposicionamento é apenas a reposição dos valores em falta desde o ingresso na carreira a 1 de setembro.
  3. O reposicionamento não se trata de uma alteração de escalão, mas sim do reconhecimento do escalão de entrada.

 

Contudo:

Uma vez que a recuperação do tempo de serviço é, na prática, e por interpretação conveniente do ME, contabilizada imediatamente após o reposicionamento, o tempo contabilizado entre este (reposicionamento) e a mudança de escalão, é totalmente perdido, para muitos dos docentes, para efeitos de progressão (uma vez que, alguns deles, apenas podem progredir após a reunião da SADD no final do ano letivo, e não à data em que completaram o tempo mínimo de permanência no respectivo escalão).

 

F - ACESSO CONDICIONADO aos 5º E 7º ESCALÕES:

Já o assunto do acesso condicionado aos 5.º e 7.º escalões é um problema comum a todos os professores, com a agravante de que esse acesso é altamente condicionado pela avaliação do desempenho docente, que tem criado mal-estar e injustiças no meio escolar.

 

Para se perceber algumas das injustiças, podemos referir que, para além da grande carga subjetiva que uma avaliação tem, por vezes os docentes têm a mesma classificação quantitativa, mas por questões de limites de quotas na atribuição das menções:

  • O professor A fica com menção de Muito Bom ou mesmo Excelente, assim acedendo ao escalão  seguinte na data em que completa o requisito “tempo de serviço”, além de ainda beneficiar de uma bonificação de 180 dias ou mesmo de 365 dias, caso obtenha Muito Bom ou Excelente, respectivamente;
  • Enquanto que o professor B, com a mesma avaliação quantitativa (logo em teoria com o mesmo desempenho e esforço para o ME), não poderá progredir ao escalão seguinte na naquela mesma data, podendo perder até 364 dias para integrar uma lista, ficando nela a aguardar a obtenção de vaga, que poderá demorar 3 anos (para já…), sendo que , apenas após essa data é que irá condições para progredir.

 

Com mais esta medida economicista, o efeito está a ser completamente perverso: O professor B (e são muitos B´s...), chega à conclusão que o seu esforço e dedicação não fazem sentido algum, o que trará consequências no processo de ensino aprendizagem a médio prazo.

 

EM SUMA:


Com a explanação das várias situações da sonegação do tempo de serviço aos professores, constatamos que o expediente do ME, para com os professores, é sempre o mesmo: construir as medidas tendo constantemente como uma das finalidade o menor impacto possível para o Ministério das Finanças, esquecendo que o retorno dessa medida implica também um menor impacto nas finanças dos professores, o que vai entroncar nos problemas emergentes, agravando-os:

  • A desvalorização da carreira docente e por consequência a falta de condições para se ser professor em Portugal, o que origina a atual grave e galopante falta de professores.

 

Para combater a falta de professores parte do lema do SIPE é: “Valorizar quem está, atrair quem vem.”

 

Lema este que deveria ser também o do Governo, em vez de esquecer que anualmente assistimos a professores de carreira, com muita experiência e qualidade a pedir a exoneração porque simplesmente veem o topo da carreira como uma miragem e facilmente encontram melhores condições noutras áreas do mercado de trabalho, desfalcando o ensino de excelentes e valiosos profissionais.

 

É URGENTE A VALORIZAÇÃO DOS DOCENTES QUE JÁ SE ENCONTRAM EM PLENO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES, BEM COMO É IGUALMENTE URGENTE CRIAR CONDIÇÕES EFETIVAMENTE DIGNAS PARA ATRAIR NOVOS PROFISSIONAIS PARA ESTA TÃO NOBRE PROFISSÃO!!!!

 

Não podemos Parar.

Todos Unidos temos de Conseguir.